Os centros de explicações no espectro do consumo das famílias portuguesas
Dimensão analítica: Condições e Estilos de Vida
Título do artigo: Os centros de explicações no espectro do consumo das famílias portuguesas
Autora: Emília Rodrigues Araújo
Filiação institucional: Universidade do Minho
E-mail: era@ics.uminho.pt
Palavras-chave: Consumo, Educação, Estilos de Vida.
Sabe-se que no período de crise que se atravessa, as famílias procuram reduzir vários dos seus consumos, procurando gerir, em primeiro lugar, aqueles mais ligados à satisfação de necessidades “básicas”, a saber: a alimentação; a habitação e transporte e a saúde.
Entre os diversos consumos que passam pelo filtro da racionalização de gastos, incluindo as despesas com comunicações e tecnologias, despesas com desporto e estética e despesas com lazer e turismo, estão as despesas com a educação. Mas, mais do que outras despesas, estas encobrem algumas questões sociologicamente relevantes, sobretudo porque a forma como as famílias gerem a educação está fortemente condicionada por elementos subjectivos que guiam as orientações de vida e que ultrapassam, por vezes, as próprias “condições” de vida no momento da tomada de decisão sobre as despesas.
A educação constitui uma despesa que tem representado a menor fatia de gastos familiares (na ordem dos 16% para os bens alimentares, 15% para os bens relacionados com a habitação e 5% a 6% nos bens de vestuário e calçado) e que se tem situado entre os 1% e 1,3 %, ao longo de toda a década de 2000 [1].
Uma das principais rubricas dos gastos com a educação mais generalizada nos últimos anos para todas as famílias, em especial as que se situam entre a classe média baixa (empregados executantes) e classe média (técnicos profissionais e de enquadramento) e média – alta (empresários e dirigentes), são as despesas com a escola e as explicações privadas.
Existe uma vasta panóplia de explicações privadas, asseguradas individualmente, através de professores que estão, ou não, no ativo, licenciados no desemprego, ou através de centros de explicação. Os centros de explicação, aonde vários destes profissionais trabalham, por norma em regime de tempo parcial, surgiram a partir dos anos 2000, mas tiveram o seu boom a partir de 2005. De forma geral, estes centros oferecem explicações especializadas nas diversas disciplinas, incluindo, sobretudo, o nível do preparatório e do secundário. Além dos serviços que prestam, estes centros funcionam, em muitos casos, como centros de ocupação dos tempos livres das crianças e jovens, intercalando, por vezes, a explicação especializada com outras actividades de cariz tipicamente mais lúdico. Interessa perceber que o crescimento do número de centros de explicação a que se assiste particularmente nas zonas urbanas e em geral próximo dos estabelecimentos escolares, se deve, pelo menos, a quatro factores muito concretos, mas todos eles relacionados com o perfil de evolução das condições e estilos de vida das dos grupos sociais: i) o progressivo declínio de qualidade percebida no sistema público, em especial atribuída à massificação do ensino e fraca individualização; ii) a convicção generalizada por parte das famílias sobre a importância do nível educacional como meio privilegiado de mobilidade social e que surge normalmente associada à um estilo especifico de competição entre pais pelas avaliações e pelo sucesso dos filhos e disposição daqueles em investir no percurso dos filhos, mesmo que isso implique esforços adicionais, como empréstimos; iii) a falta de tempo e de disponibilidade por parte dos pais para o acompanhamento dos filhos, de forma repetida e organizada e iv) o franco crescimento do número de licenciados desempregados, em todas as áreas científicas.
Em Portugal, a imagem de sucesso pessoal e a probabilidade de obtenção de mobilidade intergeracional está muito marcada pela ideia do valor, do prestígio e da efectividade do ensino privado. Assim não fora se os próprios rankings encomendados pelo ministério da educação não continuassem a demarcar as escolas privadas, urbanas e com metodologias de ensino individualizado.
Os preços variam entre centros e conforme o nível escolar e disciplina, mas, em geral, implicam gastos acima dos 60 euros por mês e que podem ascender aos 250, dependendo do número de disciplinas e do número de horas contabilizado.
Os centros de explicações surgem, assim, num contexto de mercado que até agora esteve em franca expansão, justamente porque, em geral, os pais acreditam que os filhos estão guardados e estão, principalmente, acompanhados no seu estudo diário. O nicho populacional privilegiado dos centros de explicação que são, em sua larga maioria, montados por profissionais que pertencem ao campo do ensino privado e público, são todos os grupos sociais, mas com especial incidência os grupos sociais que juntam a uma certa capacidade financeira (sempre muito variável) a uma intensa vontade de promoção social. Esta vontade é, aliás, a mesma que conduz muitas famílias de classe média-baixa e mesmo classe baixa, a investir em escolas privadas, movendo os filhos das públicas para estes estabelecimentos de ensino quando estes atingem o o 9º e o 10º anos e se vislumbra no horizonte a vontade e a necessidade de os preparar para o acesso ao ensino superior, desviando-os de outras trajetórias menos integradoras, com as quais se começa a conotar o ensino publico, não vigiado.
A partir do momento em que “ter explicações” foi ganhando terreno e fama no preparatório, secundário e mesmo, superior, o número de pedidos das famílias tornaram-se massivos e regulados, em grande parte, pela lógica do contágio. Por um lado, os centros de explicação podem ser conceptualizados como autênticas empresas que vivem da comercialização da educação e, muito em particular, de uma tendência implícita de privatização de serviços públicos, consagrados como direitos fundamentais em democracia. Mas, por outro lado, representam formas alternativas de preparação para a competição no meio educativo e no meio profissional, no futuro dos jovens e das suas famílias, face ao fenómeno que se documenta diariamente do declínio da qualidade no serviço público. Serviço escolar público que é traduzido não só, na redução do número de professores, mas também de funcionários, nos cortes em recursos diversos, na anexação de escolas e de turmas e no aumento de número de alunos por turma. Estaremos numa situação em que vícios públicos redundam em virtudes privadas, isto é, o progressivo declínio do público empurra para fora quem pode pagar e quem carrega o projeto social de mobilidade dos seus filhos, reforçando a expansão de um “sector” privado a cada vez mais diverso, no que respeita às ofertas dirigidas às disponibilidades monetárias das famílias, incentivadas a investir no privado como meio de antecipar o sucesso escolar e profissional dos filhos. Este é um pequeno texto e nele não podemos ir muito mais longe. Importa, no entanto, entender duas ideias: i) que estes centros de explicação são fontes de rendimento individual para os professores seniores que acumulam funções nas escolas pública, mas também são meios de subsistência para jovens licenciados (professores, ou não) que ou só têm este meio de rendimento, ou que o acumulam com outras actividades, em muitos casos actividades também precárias, como o trabalho em lojas e caixas de hipermercado; e ii) que, na realidade, estes centros de explicação se movem em ambientes sociais de elevada incerteza e descrença das famílias sobre as variáveis e condições mais favoráveis à melhoria das condições de vida (ou, pelo menos, à sua manutenção).
Nota
[1] Dados do PORDATA.