Nos últimos 20 anos, o sector dos bens de luxo pessoais cresceu em média 6%. E prevê-se que 2015 seja um ano de luxo, tanto em Portugal como a nível mundial.
Como se define luxo? Com a panóplia crescente de empresas e marcas que se atribuem este nome, a definição de luxo torna-se cada vez mais difícil de delimitar. O Sr. Bernard Arnault, presidente do império de luxo LVMH, define luxo como “a combinação de intemporalidade e modernidade que fazem das marcas um sucesso”. De forma mais pragmática, as consultoras Bain&Co e Altagamma aplicam uma regra simples: uma mala de luxo tem um preço superior a 850 euros.
A noção de luxo está associada a uma história (muitas vezes ligada à personalidade do seu fundador), às características de qualidade e à percepção de exclusividade do produto ou serviço. A famosa mala Neverfull da Louis Vuitton, cujas vendas ascendem a centenas de milhares por ano em todo o mundo, pode ser considerada um objecto de luxo? Os puristas atribuem mais valor ao efeito raridade, e algumas marcas promovem activamente esta exclusividade. É o caso da Hermès, que tem listas de espera de mais de seis meses para os seus modelos Kelly e Birkin, apesar de produzir cerca de 70 mil Birkins por ano. Também na indústra automóvel, a percepção de “meta-luxo” é visível quando comparamos os 4000 Rolls-Royce produzidos anualmente com os 40 carros do “atelier” da italiana Pagani.
A definição de luxo tem mudado ao longo dos séculos, mas continua associado a excesso e extravagância. Com impactos positivos na economia, sobretudo a partir do liberalismo do sec. XVII, com defensores como Adam Smith e David Hume. A economia do luxo não deixa margem para dúvidas em relação à sua relevância e potencial: o numero de consumidores de produtos de luxo triplicou nos últimos 20 anos, de cerca de 90 milhões em 1995 para 330 milhões em 2014. A consultora Bain&Co estima que os consumidores de luxo vão chegar a 400 milhões em 2020 e 500 milhões em 2030. Uma verdadeira explosão do mercado de luxo mundial. Em termos de volume de vendas, as estimativas diferem consoante as definições do que deverá ser incluído neste sector. A Boston Consulting Group avalia as vendas de luxo de 2014 em 1,8 triliões de dólares, enquanto a Bain&Co apresenta um valor de 1,1 de dólares.
A maior categoria de vendas é lazer (que inclui hotelaria, restauração, cruzeiros, barcos, aviões), seguida do sector automóvel de luxo, e em terceiro lugar os bens de luxo pessoais – que engloba perfumaria & cosmética, joalharia & relojoaria, moda e acessórios, com vendas globais de 278 milhões de dólares em 2014. Nos últimos 20 anos, o sector dos bens de luxo pessoais cresceu em média 6%. Em 2014, a conjuntura aponta para um crescimento de 2%. O ano de 2014 foi marcado por uma quebra no consumo de luxo de alguns dos consumidores mais relevantes: os russos, no seguimento da guerra na Ucrânia e das sanções impostas à Rússia; os chineses (que representam um terço dos consumidores), devido à combinação de menor crescimento económico na China, as novas regras anti-corrupção e os protestos em Hong Kong; e os japoneses, com o aumento da carga fiscal.
O sector do luxo é um dos motores da economia europeia. Com um volume de vendas de cerca de 600 mil milhões de euros em 2013, representa 4% do PIB da União Europeia. O sector do luxo contribui com cerca de 1.7 milhões de postos de trabalho (directo e indirecto), e as marcas de luxo europeias exportam mais de 70% da sua produção, onde 18 das 25 principais marcas de luxo são europeias, principalmente francesas e italianas. Em França, a indústria do luxo remonta ao Rei Sol Louis XIV, cujo ministro Jean-Baptiste Colbert ativamente promoveu a manufactura de qualidade dos artesãos franceses e a exportação dos seus produtos. Este know-how colectivo dos produtores de luxo franceses continua protegido e dinamizado até hoje através do Comité Colbert. Dentro do luxo, há inúmeros modelos de negócio. O sector é dominado pelos grandes grupos, tais como a LVMH (detentora das marcas Louis Vuitton, Moet & Chandon, Bulgari, Guerlain, etc), a Richemont (com as marcas Cartier, Piaget, Van Cleef & Arpels, Net-a-Porter, entre outras), Kering (Gucci, Bottega Veneta, Yves Saint Laurent, etc) e Swatch (Breguet, Omega, Blancpain, etc).
Por mais paradoxal que pareça, também no luxo há economias de escala, o que permite alavancar as marcas inseridas nos grupos. Na relojoaria, onde o grupo Swatch tem uma quota de mercado de 45% do mercado suiço, é necessário um investimento inicial elevado e custos fixos altos, só possível com o músculo financeiro dos conglomerados. Outras vantagens da dimensão dos grupos incluem a diluição dos custos de distribuição e marketing, além das margens do retalho e do maior controle sobre as vendas. A Louis Vuitton tem mais de 460 pontos de venda próprios. Os custos de abertura de lojas representam um investimento elevado (p.ex. 20 milhões de libras para uma loja em Bond Street), além dos valores das rendas (pode chegar a 1 milhão de libras em Bond Street), possível para as marcas com a estrutura financeira de uma LVMH ou Kering. As marcas independentes, tais como a Hermès ou a Chanel, ambas pertencentes a famílias, seguem um modelo de negócio diferente. A Chanel oferece uma gama de produtos desde a alta costura à cosmética, com uma variedade de preços desde um baton de 30 euros à icónica mala 255 de três mil euros. A aposta é num crescimento orgânico, com enorme controle sobre a produção, qualidade e imagem da marca.
Os grandes desafios das marcas de luxo passam pela demografia e pela tecnologia. Os consumidores das próximas décadas são a geração Y (pessoas nascidas nos anos 80 e 90), cada vez mais informados e exigentes em relação ao consumo. Uma das marcas que melhor tem sabido aproveitar estas tendências é a Burberry, que definiu como foco da sua estratégia estes consumidores. Curiosamente, a CEO da Burberry foi recentemente recrutada pela Apple. A estratégia digital das marcas de luxo vai ser determinante para o seu futuro. O e-commerce de produtos de luxo está a crescer 25% ao ano, apesar de ainda representar uma fatia pequena das vendas globais. Um exemplo de sucesso é a Net-a-Porter, um site com mais de 600 marcas de topo, pertencente ao grupo Richemont. A própria Burberry está assumidamente digital, e trata o website e as lojas de rua como pontos de venda complementares. Toda a comunicação digital passa também pelas redes sociais, que alterou por completo a distância entre as marcas e os seus clientes – vídeos das colecções no Youtube, imagens dos produtos no Instagram e Pinterest, bloggers tratadas como celebridades, tudo contribui para a presença das marcas junto dos seus consumidores, tanto atuais como potenciais.
Em Portugal, o mercado de luxo continua em franco crescimento, estimado em cerca de 10% para 2014. Este crescimento deve-se em grande parte ao fluxo de turismo de topo, que tem alimentado, entre outros, o sector de retalho de luxo. De acordo com o Economist Intelligence Unit, Lisboa é o sétimo melhor destino de compras da Europa. As marcas de luxo internacionais continuam a reforçar a sua presença em Portugal, de forma bastante visível com as aberturas de novas lojas na Avenida de Liberdade. Nestes últimos dois anos, abriram mais de 20 novas lojas só nesta artéria da cidade, e estão previstas mais aberturas nos próximos anos. Também no sector imobiliário e automóvel de topo, as vendas em Portugal estão em níveis record.
Prevê-se um ano 2015 de luxo para o sector em Portugal e a nível global.
Marketeer online, 12/02/2015
por Helena Amaral Neto, coordenadora do curso de Luxury Brand management do ISEG. Este texto foi publicado originalmente na edição de Janeiro de 2015 da Marketeer. Nota da autora deste blogue: convirá, sobre este tema, consultar a edição do The Economist de 13 de Dezembro de 2014.