A distribuição moderna tem-se vindo a expandir rapidamente com a abertura de diversas lojas pelo País, gerando novas necessidades, novos fluxos de consumo e um acréscimo de concorrência no mercado, o que lhe permitiu ganhar algum peso face aos canais de distribuição tradicionais, assumindo agora um papel cada vez mais preponderante na vida dos portugueses.
Consideramos como distribuição moderna grandes empresas retalhistas como a Sonae, Jerónimo Martins, Schwarz, Auchan, Grupo Dia e Os Mosqueteiros.
O sector da distribuição no nosso país continua a ser muito concentrado, sendo que o Grupo Sonae e o Grupo Jerónimo Martins representam, por si só, mais de metade da quota de mercado deste sector.
O facto de a procura privilegiar cada vez mais factores como a conveniência, o preço, as promoções e a grande diversidade e variedade levou a que a distribuição moderna se especializasse, e que as diferentes insígnias se adaptassem ao perfil do novo consumidor e à sua situação geográfica, tendo em vista a sua fidelização. Um método adoptado por muitas insígnias para aumentar a sua competitividade foi a criação de marcas próprias/marcas do distribuidor, caraterizadas por uma boa relação qualidade-preço, e que hoje são concorrentes das marcas de produtor, em praticamente todas as categorias de produtos.
Cláusulas nem sempre negociáveis
Dada a situação de crise actual em que vivemos, a procura de Marcas do Distribuidor (MDD) revelou-se tão forte nos últimos tempos que as principais cadeias conseguiram assim fortalecer ainda mais a sua posição competitiva em relação aos produtores de insígnias que recorrem a esta forma de distribuição. Em alguns casos, há mesmo quem defenda que a presença de produtos de Marca do Produtor (MDP) na prateleira, lado a lado com os da Marca do Distribuidor tem apenas um efeito figurativo, para induzir o consumidor a adquirir a MDD, mais barata e, em alguns casos até, de qualidade idêntica à MDP.
De forma a regular a sua actividade com as marcas produtoras, as empresas da distribuição moderna regem a sua relação comercial com as empresas suas fornecedoras no seio de um vínculo contratual frequentemente enviesado em termos de poder. De facto, desses acordos fazem parte um conjunto de cláusulas bastante cingidas nem sempre negociáveis por parte de algumas empresas produtoras, nomeadamente de menor dimensão.
Contrato geral de fornecimento
O contrato geral de fornecimento tem normalmente uma estrutura uniforme, quer no que diz respeito às cláusulas previstas, quer ao tipo de linguagem que usa, tonando-se aplicável universalmente a qualquer transação. A sua estrutura contratual é geralmente constituída por condições gerais e por condições específicas.
Deste modo, podemos dizer que o Acordo Geral de Fornecimento é constituído por várias cláusulas, onde podem constar o rapel, que é normalmente concedido por escalões de consumo ou compras, em que a cada escalão corresponde um desconto especifico, sendo que este desconto é tanto maior, quanto maior for o valor da compra, de forma a incentivar as compras por parte do distribuidor. Ou seja, se os distribuidores comprarem aos fornecedores um determinado valor objectivo definido por estes últimos, num período de tempo previamente definido, ser-lhes-à devolvida uma percentagem (%) do valor da compra. Caso contrário, ficarão com um crédito que poderá ser utilizado nas compras seguintes que estes desejem realizar.
Outra cláusula que normalmente consta nestes acordos é o número de facings, ou seja, as várias frentes que os produtos do fornecedor vão ter à vista na prateleira.
Outras dimensões aqui abrangidas são os descontos de não devolução e de reposição dos produtos da empresa fornecedora, os descontos financeiros de acordo com o prazo de pagamento da encomenda realizada pelo distribuidor, os descontos de cartão de fidelização que têm que ser feitos caso o distribuidor os utilize na acumulação de descontos e os custos de transporte. De referir ainda o investimento em campanhas promocionais de comunicação que ficam normalmente a cargo do fornecedor, dando lugar ao pagamento de um dado valor.
São ainda impostas outras cláusulas de negociação nos contratos tais como descontos comerciais sobre a quantidade de produtos que o distribuidor possa vir a comprar, e que é comum para todos os clientes. Além disso, é realizado um investimento de vendas líquidas sobre o custo de referenciação do produto, ou seja, o custo de exposição em prateleiras. Há ainda a considerar os descontos promocionais de entrada em linha nos espaços comerciais, um valor também conhecido como “custo de entrada em linha”. Outra cláusula que pode ser exigida pelo distribuidor é a chamada “cláusula de melhores condições”, onde o fornecedor se obriga a oferecer ao distribuidor as melhores condições de mercado, nomeadamente no que diz respeito aos preços praticados.
Por último, de referir a cláusula do tipo “Meeting the Competition”, em que o fornecedor se compromete a ir ao encontro do melhor preço que o distribuidor possa encontrar de qualquer outro fornecedor presente no mercado, devolvendo ao primeiro a diferença entre os dois preços.
Poder quase sempre concentrado
Mas o espartilho comercial pode estender-se ainda mais. De facto, os fornecedores podem ser penalizados pela não entrega atempada de mercadoria aos distribuidores, sobre forma de uma percentagem (%) sobre o valor total da encomenda. Por exemplo, se uma empresa de distribuição moderna comprar €100.000 em mercadoria, mas o fornecedor falhar na entrega da quantidade total previamente acordada, este terá que ser penalizado em, por exemplo, 25% do valor total da encomenda, logo o valor a pagar por parte da empresa de distribuição ao seu fornecedor reduz-se em 25.000€ caso a entrega não ocorra na data estipulada.
Caso os produtos adquiridos pelos distribuidores ultrapassem o prazo de validade, ou tenham falhas de qualidade e sejam defeituosos, este custo vai ainda, obviamente, ser imputado ao fornecedor.
É unânime admitir-se que a distribuição moderna em Portugal tem muita força. Isso é facilmente constatável através das cláusulas impostas nos contratos entre empresas fornecedoras e empresas distribuidoras, e através dos Acordos Gerais de Fornecimento (AGF) que são estabelecidos. Esta relação contratual rege-se por um conjunto de dimensões que são previamente definidas pelos distribuidores, e que são posteriormente apresentadas ao fornecedor, na expectativa que este o aceite. Ali verifica-se que o poder está quase sempre concentrado no distribuidor.
Marcas fortes têm mais peso
No entanto, convém deixar aqui claro que a relação fornecedor-distribuidor depende das caraterísticas do fornecedor e das marcas que detém, sendo que aqueles que têm marcas fortes e com elevada dimensão no volume de faturação de uma categoria, tendem a desempenhar um papel mais importante nas negociações. De facto, tratando-se de marcas que os consumidores conhecem e com as quais se sentem envolvidos, tende a aumentar a sua procura nas lojas dos distribuidores, sendo que é também do interesse destes tê-las nas suas prateleiras. Deste modo, se por um lado todo este investimento prejudica os produtores que ficam assim com preços menos competitivos, por outro, faz aumentar a sua importância percebida pelo acréscimo de valor aportado ao produto. Portanto, podemos dizer que, mesmo dentro dos desequilíbrios, há uns mais acentuados que outros.
*Por Susana Costa e Silva, Professora e Directora do Mestrado em Marketing da Faculdade de Economia e Gestão da UCP – Porto, e André Esteves, aluno do Mestrado em Gestão da mesma escola
Por Susana Costa e Silva e André Esteves*
Publicado a 29 de Janeiro de 2015 por Rita Gonçalves, HiperSuper